Aquecimento extremo em lagos da Amazônia acende alerta para consequências das mudanças climáticas
Publicado em: 7 de novembro de 2025
Artigo publicado na revista Science, liderado pelo Instituto Mamirauá, destaca as consequências das secas extremas observadas na Amazônia
Em 2023, a seca observada na região do Médio Solimões, Amazonas, já mostrava sinais de que seria acima da média logo no começo, no início de setembro. Foi no momento em que as carcaças de botos-vermelhos e tucuxis começaram a se enfileirar pelas margens do Lago Tefé que a situação se consolidou como catastrófica, já no final do mesmo mês. O principal fator que levou à morte dos animais não estava claro no início, mas em pouco tempo os pesquisadores já tinham um suspeito. Enquanto o mundo acompanhava recordes de temperatura no ar e nos oceanos, um fenômeno pouco noticiado acontecia nas águas doces da região amazônica: o superaquecimento de seus lagos. Uma equipe de pesquisadores documentou o fenômeno, registrando temperaturas na água que atingiram valores sem precedentes, e gerando um alerta sobre as consequências que eventos climáticos extremos têm trazido aos ecossistemas e populações humanas. No dia 06 de novembro, um artigo publicado na revista Science, liderado por pesquisadores do Instituto Mamirauá em parceria com diversas instituições nacionais e internacionais, traz os principais resultados da pesquisa que investigou o ocorrido, mostrando as causas e consequências de eventos de onda de calor em lagos amazônicos, bem como o alarmante aquecimento generalizado que tem ocorrido nas últimas décadas nestes ambientes.
Lago Tefé: uma sentinela das mudanças climáticas
O Lago Tefé, um corpo d'água próximo à cidade de Tefé, Amazonas, tornou-se o epicentro da crise climática amazônica nos últimos anos. Durante a seca de 2023, a superfície do lago reduziu em cerca de 75%, baixando de 379 km² para apenas 95 km². Grandes áreas se transformaram em poças rasas, com menos de 50 centímetros de profundidade.
Nesse contexto, os pesquisadores registraram valores térmicos alarmantes: entre setembro e outubro de 2023, por diversos dias, a temperatura da água ao longo de toda a coluna d’água – cerca de 2 metros de profundidade em alguns pontos – atingiu mais de 40°C, chegando a 41°C em determinados dias. Para efeito comparativo, a temperatura média das águas superficiais em lagos tropicais similares é de cerca de 29-30°C. A amplitude térmica ao longo do dia, ou seja, a variação de temperatura entre o dia e a noite, também foi extrema, chegando a 13,3°C. “Em condições normais, a água mais profunda geralmente é mais fria, servindo como uma espécie de refúgio para os animais escaparem de temperaturas muito altas. Na seca extrema de 2023, contudo, esse refúgio simplesmente não existia”, comenta Ayan Fleischmann, pesquisador titular do Instituto Mamirauá e primeiro autor do artigo.
O escopo e as causas da crise
O estudo indica que a onda de calor não foi um evento isolado no Lago Tefé. Durante a seca de 2023, os pesquisadores monitoraram 10 lagos da Amazônia Central, constatando que cinco deles registraram temperaturas superiores a 37°C, muito acima da média para a região. O Lago Coari, por exemplo, que tem características muito semelhantes às do Lago Tefé, também apresentou aquecimento significativo. A falta de monitoramento adequado em grande parte dos lagos amazônicos impede uma compreensão mais detalhada sobre onde mais eventos do tipo podem estar acontecendo. Mas uma coisa fica clara: os resultados indicam que, em maior ou menor grau, o fenômeno de superaquecimento foi generalizado na região, afetando diversos ecossistemas aquáticos.
Utilizando simulações em modelos hidrodinâmicos, os cientistas identificaram quatro principais fatores que explicam o fenômeno do superaquecimento em lagos da Amazônia. A baixa velocidade do vento reduziu a perda de calor da água, um processo natural de resfriamento, enquanto a radiação solar intensa, agravada pela baixa cobertura de nuvens, a cada dia esquentava ainda mais a água. Além disso, a água estava mais turva que o normal, fazendo com que absorvesse mais calor. O volume reduzido da água, que estava muito rasa em amplas áreas do lago, também favoreceu o seu aquecimento. Curiosamente, o modelo mostrou que o aumento da temperatura do ar foi um fator menos decisivo do que a falta de vento. Isso destaca a complexidade do sistema climático e como a combinação de fatores específicos pode levar a situações extremas.
A seca de 2023 foi excepcional, mas ela não é um evento isolado. “Analisando dados de temperatura coletados por satélites de 24 lagos da Amazônia entre 1990 e 2023, descobrimos também uma tendência de longo prazo clara, as águas da região estão aquecendo, em média, 0,6°C a cada década, chegando a até 0,8°C por década em alguns lagos. Além disso, eventos de aquecimento acima da média têm sido mais frequentes na última década, alertando para a tendência futura de eventos cada vez mais extremos e comuns na região. Em 2024, uma outra seca extrema trouxe novamente ondas de calor para os lagos amazônicos”, complementa Fleischmann.
Impactos socioambientais da seca extrema
Além da morte de mais de 200 botos-vermelhos e tucuxis no Lago Tefé, também ocorreu a morte de milhares de peixes em diversas regiões da Amazônia. Apesar da mortandade de peixes ser mais comum durante eventos de seca, a combinação desses fatores ressalta como o ecossistema como um todo é impactado pelas mudanças bruscas observadas nos rios e lagos. Já a mortandade de botos em decorrência de hipertermia, nunca antes registrada em ambientes de água doce, gera um alerta ainda maior, considerando que a espécie é considerada de topo de cadeia alimentar: se ela está sendo afetada, há grandes chances de que todo o ecossistema esteja sofrendo com os impactos.
Já para a população humana da região, as secas extremas representam um desafio enorme. Comunidades ribeirinhas foram duramente afetadas nos últimos anos, sofrendo com o isolamento, e dificuldade de locomoção – uma vez que os rios são o principal meio de transporte na Amazônia –, dificultando o acesso a alimentos, água potável e medicamentos. A mortandade de peixes, base da alimentação e da economia local, agravou ainda mais a crise. Acordos de pesca que realizam o manejo sustentável do pirarucu, uma importante fonte de renda, tiveram muitas dificuldades para realizar a pesca pela impossibilidade de acessar os lagos de manejo.
Em suma, o artigo deixa uma mensagem clara: as mudanças climáticas já estão impactando de maneira direta os ecossistemas aquáticos da Amazônia. O superaquecimento dos lagos em 2023 não foi um caso isolado, mas sim um evento especialmente extremo dentro de uma tendência de longo prazo impulsionada pelas mudanças climáticas a nível global.
O monitoramento de lagos amazônicos, como o de Tefé e de Coari, é essencial para entender como esses ambientes se comportarão no futuro, servindo como sentinelas da crise climática. Mas os investimentos existentes em programas de monitoramento de longo prazo de ecossistemas aquáticos amazônicos ainda são insuficientes. Tendo em vista que a frequência e a intensidade de secas e ondas de calor devem aumentar nas próximas décadas, é crucial desenvolver estratégias de monitoramento, manejo e adaptação que visam a proteger a biodiversidade e os meios de subsistência das populações locais, mitigando os impactos que esses eventos climáticos extremos já estão tendo nestas regiões.
Texto: Miguel Monteiro
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